segunda-feira, 30 de março de 2009

Interação Criança x Internet

A maioria dos estudos que envolvem a infância e a internet busca demonstrar as potencialidades e os beneficios desta no desenvolvimento das crianças. A perspectiva inversa - o que as crianças fazem da tecnologia e como a usam - é menos documentada em pesquisas. 
 
Uma pesquisa realizada em Portugal, com crianças entre 6 e 12 anos, tem como objetivo esclarecer como se dá a interação delas na rede, ou seja, em que condições utilizam e-mail, chats e de forma mais geral, como conduzem sua navegação no ciberespaço. Os contextos de intervenção das crianças na rede foram  igualmente focalizados: quando e onde a criança comunica na rede? a criança intervém sozinha ou prefere a companhia dos adultos ou dos seus amigos? A idéia da criança sujeitada ao domínio da tecnologia e aos poderes da rede dá lugar uma densa constatação: as crianças intervêm na rede, fazem e refazem as suas interações e os seus saberes, nas condições propiciadas e constrangidas pelo meio e acrescentam-lhe a sua dimensão de sujeitos ativos e de atores sociais. 

Uma sondagem realizada pela Nielsen and Netrating, em 2000, revelou que as crianças entre 2 e 11 anos são o segundo grupo em maior potencial de crescimento em termos de navegação na internet. As tecnologias utilizadas atualmente são tidas como modificadoras nas formas de relacionamento das crianças com a informação e comunicação. A utilização de recursos de som, imagem, texto e grafismo contribuem decidivamente para cativar o utilizador desta faixa etária, com a grande vantagem de tornar possível a aprendizagem adaptada a diferentes estilos, ritmos e capacidades das crianças, com grande facilidade e flexibilidade de utilização.  A relação entre a criança e a internet permite interações diferentes pela não-linearidade na organização das informações, a possibilidade de controlar a “navegação”, seguir linhas de interesse e gerir prioridades ligadas estritamente às necessidades e interesses individuais. 

A pesquisa realizada em laboratórios de informática, escolas de ensino básico do 1º ciclo e nas residências das crianças chegou à conclusão que:
- Os mundos sociais da criança são emoldurados no seio do mundo adulto e da cultura
infantil.
- Nos dispositivos criados pelas novas tecnologias, existem escassos lugares “das”
crianças.
- A Internet não isola as crianças nas suas atividades.
- As crianças procuram muito os jogos na Internet.
- As crianças não procuram, na maior parte das vezes, os “Sites Infantis”.
- Questiona-se a legitimidade dos receios ou anseios dos pais em relação à “navegação”
na Internet.
- A Internet é “lenta” para as crianças.
- As meninas e meninos “navegam” de formas diferentes entre si e similarmente no seu
grupo de género.
- As crianças mais novas são ativos e competentes utilizadores da Internet.
- O estádio desenvolvimental da criança não representa um obstáculo à sua atividade
na Internet.

Sandra Marlene Mendes Barra desenvolveu essa pesquisapara sua dissertação de mestrado em Sociologia da Infância, pelo Instituto de Estudos da Criança e Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, Portugal.

Quem quiser conferir a dissertação na íntegra, clique aqui.

Postado por Luisa Carolina

"Pirataria, o crime do século"


Este é o título da notícia veiculada no dia 1 de julho de 2008 no site do Ministério da Justiça. Apesar de a reportagem ter sido publicada no ano passado, há alguns elementos interessantes presentes no texto, na direção do que discutíamos em sala. Nos pequenos quatro parágrafos da notícia, palavras como Internet, quadrilha, download e prisão conformaram o argumento cujo título resume uma longa discussão: "Pirataria é o crime século." E isto não é a toa. No século das redes, do mundo digital e da hiperconectividade, os delitos são também virtuais. Enquanto isso, no que era o "mundo real", discute-se formas eficientes de controle e punição dos crimes de internet.

Aqui, fala-se priotariamente da conduta de "baixar" material aúdiovisual da internet e comercializar, o que faz o Brasil perder a cifra de R$ 30 bilhões de reais anualmente com impostos. O que não se vê é uma distinção (e do ponto de vista jurídico parece não haver o menor interesse) entre a comercialização de bens conseguidos livremente na internet - o que em nada se difere do contrabando de mercadorias - e o uso domiciliar, compartilhamento de arquivos por usuários de internet que não visam lucrar financeiramente com tal atividade.

No fim das contas, é tudo pirataria. Não tem diferença alguma. Este é o tom das informações no site oficial contra a pirataria.

Esta é uma questão que me parece estagnada. Com o reconhecimento de que o compartilhamento de arquivos individualmente chegou a um estágio onde o controle formal é limitado, resta mesmo as campanhas ideológicas, que incentiva-nos a comprar um cd para ouvir 3 faixas, e recusar toda possibilidade de conhecer tudo quanto há de novo, no próprio mercado. Talvez sejam possíveis ideologias tão absurdas que apelem para a posse de cada indíviduo do material a ser consumido. Empréstimos são crime, pois podemos deixar de comprar na loja. Ouvir música na casa do vizinho pode ser pirataria. A propósito, há 20 anos atrás quando se copiava tranquilamente do vinil para a fita k-7....é uma pirataria estilo retrô?

O que não dá pra engolir de jeito nenhum são os argumentos sistêmicos, que apelam à grandeza de fenômenos numa larga escala causal: Baixar música na internet alimenta o tráfico de drogas, tráfico de pessoas, de armas. Isto me parece tão razoavel como o fato de a cada litro de gasolina injetada no carro, morre uma criança no iraque.

Alguns links

Site da campanha oficial contra pirataria (cuidado! abaixe o volume das caixas!)
http://www.piratatofora.com.br/

Outra: notícia afim.

Site do MJ com seção destinada a resoluções sobre pirataria
http://www.mj.gov.br/combatepirataria/data/Pages/MJD7CC848EPTBRNN.htm


Postado por Sidarta Rodrigues

domingo, 29 de março de 2009

Cibercultura - Cap 1 (Monografia de graduação de Raoni Pereira)

1 UMA REVOLUÇÃO

“Mutação: é a chave da nossa evolução. Nos permitiu evoluir de uma célula única à espécie dominante no planeta. Este processo lento, normalmente leva milhares e milhares de anos. Mas a cada centena de milênios, a evolução dá um salto.”
(Do filme “X-Men” , 2000)

Existem vários pensadores que acreditam que estes saltos evolutivos realmente ocorram, como Gould apud Castells (2003 p. 67): “A história da vida, como a vejo, é uma série de situações estáveis, pontuadas em intervalos raros por eventos importantes que ocorrem com grande rapidez e ajudam a estabelecer a próxima era estável”. Isto parece ocorrer na história da humanidade também, e muitos acreditam que estejamos vivendo em um desses momentos, com a transformação da cultura e dos meios de produção através de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação.
Esta revolução, chamada de muitos nomes como revolução informacional, revolução tecnológica, cibercultura e outros, é considerada como tal por se tratar de um salto tecnológico enorme, uma mudança radical e sem retorno. A revolução tecnológica pode ser vista como uma terceira revolução industrial, dando uma certa continuidade às duas anteriores, mas distinguindo-se bastante delas. Se anteriormente o foco era a criação e a expansão de novas formas de energia – o vapor na primeira, o motor a combustão e a eletricidade na segunda – agora a mudança do paradigma tecnológico está focada na expansão da tecnologia da informação, das telecomunicações e na formação de redes. Segundo Negroponte (1997), estamos mudando o nosso foco de átomos para bits.
Castells (2003 p. 108-111) localiza algumas características deste novo paradigma: A informação como matéria-prima (ao invés de informação agindo sobre tecnologia, a tecnologia para agir sobre a informação); A penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias (como a informação permeia toda a atividade humana, o novo meio tecnológico altera todos os processos da existência individual e coletiva); A lógica das redes (em todos os sistemas ou conjunto de relações, utilizando as novas tecnologias da informação); A flexibilidade e a convergência e interdependência tecnológica crescentes. Ele acredita que:


O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimentos e informação, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso. (...) As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. Usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa. (CASTELLS, 2003 p. 69)


Este é um dos principais diferenciais desta revolução. Pela primeira vez na história, a distância entre os disseminadores e os receptores da informação se tornou mínima e confusa. Hoje qualquer um pode ser um produtor em um meio de comunicação de massa, a mente humana passou a ser uma força direta de produção, não apenas um elemento importante no processo produtivo. Conforme Castells (2003), nos tornamos uma sociedade informacional, uma forma específica de organização social em que a geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder. E isto só foi possível por causa da criação destas novas formas de comunicação geradas pela informática e pela rede mundial de computadores.
Estamos diante de uma nova e consolidada forma de comunicação. E, segundo Castro (1972 p. 324), cada nova forma de comunicação que foi surgindo ao longo da história representa um aumento da capacidade de expressão do homem, possibilitando sua expansão, através do aumento do espaço pessoal – antes um pedaço de terra onde passava o tempo de sua vida, depois uma cidade, um país, o mundo, o espaço. Expansão esta que acabava por exigir novas formas de comunicação (para se comunicar com as novas formas que surgem dessa expansão, outras pessoas, línguas, etc) em um processo de retroalimentação. Portanto, a expansão da comunicação é a expansão do universo do homem, e da humanidade.
É interessante notar que o ciberespaço surge como um desejo coletivo de forma de uso de inovações técnicas, respondendo a necessidades e desejos das pessoas, não à imposição de uma indústria. Nunca ninguém fez propaganda da Internet, nem obrigou ao seu uso. Aparentemente, a revolução aconteceu por um desejo ligado a uma possibilidade técnica, não a uma necessidade ou imposição (embora, hoje, com a gradual consolidação desta revolução, mais e mais pessoas sejam obrigadas a aprender o básico, por exemplo, a operar um computador para trabalhar).
Como é uma revolução global, que acontece em todos os lugares do mundo ao mesmo tempo, dependendo apenas de algumas disponibilidades técnicas (acesso ao ciberespaço), não há muita diferença entre os países que dela participam. Por depender de um equipamento de custo médio (computador) e uma rede que permita acesso à Internet, lugares pobres de todo o globo encontram-se parcialmente de fora da revolução, no que usualmente se chama de “exclusão digital”, mas estudos como os de Nicolaci-da-Costa (2005) mostram que aparentemente a realidade brasileira segue padrões muito semelhantes ao resto do mundo que acessa o ciberespaço. Temos “incluídos” e “excluídos” em diversos níveis, assim como a grande maioria do planeta.
Talvez uma das maiores dificuldades de analisarmos as implicações sociais e culturais do avanço da informática e multimídia seja a ausência de estabilidade, não há como comparar os gigantescos computadores da década de 50, com os modelos pessoais ligados a fitas cassete e televisão dos anos 80, com a tecnologia atual. Mesmo tratando-se do mesmo elemento (computadores), a distância entre eles e sua significação os transforma em objetos de análise bastante distintos, isso tudo sem mencionar o desenvolvimento da Rede. A revolução, embora esteja consolidada de alguma forma, ainda está acontecendo. Lévy (1999, p. 25) nos lembra de que cada inovação técnica propicia um leque de novas oportunidades, mas somente algumas delas de desenvolvem, ou seja, as tecnologias não determinam a sociedade e a cultura, mas as condicionam, proporcionam novas possibilidades de desenvolvimento.

Virtual, Real ou Surreal? A Física do Second Life

O artigo de Renato P. dos Santos retoma a postura de Papert ao propor a criação de micromundos da física onde seriam ensinados de forma piagetiana as leis de movimento de Newton. Após abordar as diferenças entre as leis físicas do Secund Life e de Newton, o autor concluí que as leis do SL não são nem uma virtualização da física do ‘mundo real’ nem da ‘ideal’ Galileana/Newtoniana, mas sim uma física ‘surreal’, que se aproxima da Física quântica e relativista do século XX.

Segundo Renato P. Santos, apesar da física do SL ser uma Física ‘surreal’, que não corresponde a nenhum dos dois mundos ‘real’ ou ‘ideal’, ainda assim é um ambiente rico para discussão da realidade/irrealidade das leis físicas ensinadas na escola.


Link: http://www.cinted.ufrgs.br/renote/dez2008/artigos/1b_renato.pdf


Por: Fábio Veiga.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Uma Etnografia do Virtual

Achei um trabalho de antropologia, onde o pesquisador se propõe a investigar a comunicação entre os integrantes de uma comunidade virtual chamada Debian, que se organizam em forma de bazar, possibilitando o diálogo, a troca e o gerenciamento do trabalho de todos os seus membros.

Interessei-me, em particular, pela parte do trabalho em que ele aponta as dificuldades de se realizar um trabalho etnográfico em rede, já que não possui uma dimensão de tempo e espaço para ser descrito, nem sujeitos a serem observados. O pesquisador se atém ao estudo da linguagem em rede, que tem como um dos papéis substituir a linguagem não verbal.


Link: http://antropologia.codigolivre.org.br/debian/node7.html


Fábio Veiga.

terça-feira, 24 de março de 2009

MPB - Músicas Para Baixar

Este texto foi publicado por Carolina Ribeiro ao Observatório do Direito à Comunicação, e toca alguns pontos importantes na discussão sobre pirataria. Trata da criação do Movimento MPB - Músicas Para Baixar, criado em uma reunião em Brasília, no último dia 15, por conjuntos de artistas e ativistas. Juntos, discutiram a produção fonográfica no Brasil, o direito autoral, a economia solidária na cultura, os oligopólios da indústria cultural de servidores e a busca de alternativas à ditadura das grandes gravadoras e dos meios de comunicação de massa.  

Vale os dois minutos de leitura.




Por Luisa Carolina.

domingo, 22 de março de 2009

Ministério Público do Brasil quer que Google mande CARTAS

Do info online (leia a matéria):

Esta semana, o Google levou ao ar um novo Fórum de Ajuda que apresenta melhorias em relação à tecnologia utilizada anteriormente.

Para o Ministério Público, que obteve do Google a assinatura de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), a medida ainda não garante um bom atendimento aos usuários da rede social. O TAC exige que o Google ofereça também um endereço para receber cartas registradas com reclamações dos usuários.

Este endereço é importante, diz o MP, para assegurar uma documentação de reclamações enviadas ao Google. O Ministério Público diz que o Google já oferece este endereço físico, porém não cumpre plenamente o acordo por não enviar uma carta de volta aos reclamantes, confirmando o recebimento da queixa.O MP deseja documentar essa correspondência para que advogados possam exibi-las em eventuais processos na Justiça.

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Confesso que ri com essa notícia. Me digam que é uma piada, por favor. Aliás, eu não sei se a piada maior é o fato ou a justificativa - aparentemente nossa justiça não aceita emails como prova, só cartas de papel. Provavelmente algum acordo para manter a venda de selos.


Postado por Raoni Pereira

Comunidade ‘Discografias’ é fechada no orkut

Do info online (leia a matéria completa)

SÃO PAULO – A maior comunidade de downloads de músicas do orkut deu seus últimos suspiros no dia de ontem (16). Sob “ameaças da APCM e outros orgãos de defesa dos direitos autorais” os moderadores foram obrigados a trancar todo o conteúdo da "Discografias" na rede social.

A APCM (Associação Anti-Pirataria Cinema e Música) começou a perseguição no final do ano passado, nos bastidores do orkut. O alto volume de arquivos e os mais de 921 mil usuários foram as principais razões para a comunidade ser nominada como o primeiro e principal alvo dos defensores de direitos dos artistas.

Em comunicado na própria comunidade, os moderadores (que não querem se identificar) pronunciaram que o esforço não mudará muita coisa: “o é com o fechamento desta comunidade e outras equivalentes que as gravadoras irão aumentar seus lucros. Muitos artistas perderão seus meios de divulgação. Milhares de membros terão que procurar outras atividades no Orkut que não seja o download de músicas e afins. O número de sites e blogs de conteúdo similar, mais programas como eMule, Limewire, de torrents e outros P2P, cresce em progressão geométrica”.

A APCM representa empresas como Disney, Globo, Universal, Sony/BMG, Fox, Paramount Pictures, Warner Bros e muitos outros. Há poucos meses, tentou retirar o site Legendas.Tv do ar, que conseguiu se reerguer utilizando outra hospedagem.

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Confesso que sinto um pouco de pena dos "defensores dos direitos dos artistas" (Disney, Globo, etc são artistas, claro) em sua eterna luta contra o inevitável. Segundo a notícia, a APCM/RIAA estava desde o ano passado para conseguir intimidar os moderadores a fecharem a comunidade. Um processo de meses (que se tornariam anos, caso os moderadores não aceitassem a indimidação e sofressem processo juducial) para acabar com uma página que pode (e será) refeita no dia seguinte, com nome similar ou algo assim.

O legendas.tv foi mais esperto e driblou a ameaça com estilo. Eu só gostaria de saber em que ponto legendas criadas por usuários constituem pirataria, mas isso é outra história.


Postado por Raoni Pereira

UM DEUS QUE RESPONDE

“- Você é o Oráculo?

- Bingo. Não era bem o que esperava, não é?”

(Do filme “Matrix”, 1999)

 

            Ao que parece, a origem de todos os deuses e religiões reside na existência do inexplicável. Basta um pequeno fenômeno para o qual não se encontre explicação para despertar a inquietude humana, seja por medo ou curiosidade, e a necessidade de encontrar alguma forma de lidar com ele.

            Nas últimas décadas, e cada vez mais, a ciência vem substituindo as outras formas de lidar com o problema, o “conhecimento divino” é gradativamente substituído pelo “conhecimento humano”. Mas mesmo que os exorcismos sejam substituídos por tomografias computadorizadas no tratamento de um louco, essas novas tecnologias mantêm a mesma aura de mistério que sempre existiu para a maioria das pessoas. As pessoas, em geral, entendem tanto de ciência quanto de magia. Apenas foram levadas a acreditar, pelos mais diversos motivos, em que a primeira funciona melhor do que a segunda. Com a crença, veio a efetividade, ou de que forma uma pílula contendo farinha (placebo) poderia funcionar?

            Podemos afirmar que a ciência é, em certo aspecto, o novo deus para a grande maioria das pessoas, pois é ela quem traz as respostas para o desconhecido, e para como devem ser feitas as coisas. A questão que eu gostaria de tratar, neste momento, é a grande diferença entre este novo deus e os antigos. Enquanto em uma reza não se obtém uma resposta (pelo menos não uma clara e imediata), as consultas a este novo deus trazem resultados, e com a Internet, resultados cada vez mais fáceis de obter.

            Neste ponto, os sites de busca se tornaram o novo e mais aceitos oráculos de todos os tempos. E, com toda uma geração a lhe servir como seguidores, podemos tomar o mais utilizado sistema de busca como o “novo deus”, então vida longa ao “Deus Google”. Talvez um deus que jamais será onipotente, que demore um pouco pra ser onipresente, mas que se aproxima bastante da onisciência.

            A idéia, é claro, não é minha. Thomas L. Friedman (2003), um colunista do “The New York Times” a popularizou em um artigo neste jornal, e muita gente já pensou e escreveu sobre a idéia, mas e quanto aos efeitos que esse novo deus traz (e pode trazer, visto que é um deus em construção, porque não pode ser acessado a qualquer momento, falta a conexão a qualquer momento e em qualquer lugar) à personalidade de seus adeptos? Como é, talvez pela primeira vez na história, obter fácil acesso a todo o tipo de conhecimento produzido pela humanidade, a respostas para todas as dúvidas (ou ao menos a boa parte, e a cada dia mais)?

            A primeira, e mais óbvia resposta é a sensação de que a memória não é mais de grande utilidade, o que torna todo o sistema de ensino questionável. A necessidade de guardar um conhecimento é substituída pela capacidade de obtê-lo, de forma confiável e satisfatória. “Deus Google” também exige algo de seus seguidores, em troca de seu conhecimento ele exige conhecimento operacional. Um leigo em sistemas de busca na Rede dificilmente achará tantas respostas quanto um “iniciado”, e com a quantidade de informações de todo o tipo, alguém pode acabar lendo um texto irônico sobre um assunto e tomando-o como verdade. Entretanto, a própria Internet fornece o poder de adquirir o conhecimento necessário para questionar a informação incorreta. O refinamento dos serviços de busca pode solucionar isso um dia, potencializando ainda mais o seu aspecto “divino”, mas por enquanto ainda é necessário saber como filtrar a informação.

            Um aspecto interessante é que as respostas são, muitas vezes, mais engrandecedoras[1] do que o esperado. Uma busca sobre como fritar batatas pode resultar em uma receita muito mais elaborada, que não estava nos planos, mas pode ser muito bem-vinda. Nesse ponto, posso afirmar que, de um certo modo, “Deus Google” incentiva a criatividade, pois amplia o universo com o qual a pessoa estava habituada a lidar. Alguém que acabe se acostumando com isso saberá que sempre existirão outras formas não pensadas anteriormente, criando uma certa flexibilidade mental maior.

            Esta “flexibilidade” é reforçada pelo fato de “Deus Google” não dar simplesmente uma única resposta, mas diversas, e o critério para a seleção de qual é a mais adequada cabe ao usuário/seguidor. Pergunte sobre a política dos EUA, e você terá informações de todo o tipo de gente, desde blogs pessoais até sites de instituições famosas, desde o mais ferrenho defensor até seu opositor, passando por todos os níveis de uma escala. Se parar para ler algumas dessas diferentes opiniões, e contextualizá-las, e fizer isso com freqüência, teremos um ser humano muito mais apto a lidar com diferenças culturais e de opinião. Ainda que escolha uma das respostas, terá lidado e conhecido muitas outras, muitas em oposição. É uma mudança e tanto para quem estiver acostumado a agarrar-se ferrenhamente a uma idéia única, a um pensamento rígido. Passa muito mais por um “isto parece certo para o que eu acredito”, ou “essa resposta é melhor para esta situação” do que por um “isto é certo e aquilo errado”.

Por outro lado, toda essa facilidade de acesso à informação e ao conhecimento pode também levar a uma ausência de reflexão, para que precisar ter uma opinião se eu posso procurar uma na Internet? Talvez uma praticidade tão excessiva acabe por nos tornar cada vez mais preguiçosos e dependentes.

            Com o “Deus Google”, ocorre uma subversão dos papéis no universo. Antes era “deus criou o homem e o mundo”, “ele tudo sabe e eu nada sei”, “eu posso pedir respostas mas cabe a ele a decisão final”. Agora é  “o homem criou deus – que se vale de todo conhecimento produzido pelo homem para dar suas respostas”, “ele tudo sabe, e eu posso ter todo seu conhecimento na palma da mão – ou na ponta dos dedos”, “eu peço respostas, ele me dá várias mas eu preciso julgar qual a melhor”. Um deus acessível, mas liberal, não autoritário. O julgamento final cabe ao homem, e não mais a deus. E com isto, este homem começa a se sentir um deus?



[1] Lévy classifica duas atitudes de comportamento básicas da navegação na Internet: a caçada e a pilhagem. A caçada é a busca direta por uma informação precisa, a qual tentamos obter rapidamente. A pilhagem é mais interessante, ao buscar por um assunto mais amplo, ou estando a pessoa mais disposta a lidar com outros assuntos, ela acaba por vaguear, deixando-se levar pela rede de hiperlinks, chegando a lugares muito distantes do que imaginava inicialmente. Este comportamento é o que possibilita uma certa ampliação cultural. Quase todo mundo já passou por isso, começou buscando algo como “mitologia nórdica” e acabou lendo páginas sobre “teatro grego”, por exemplo, e muitas vezes se interessando por estes outros assuntos. Lévy compara este comportamento a um passeio por uma espécie de biblioteca-discoteca ilustrada, interativa, lúdica e cujo acervo se altera e se amplia a todo o momento, na companhia de todo o tipo de pessoas. (Cf. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 85-91)

 

Postado e escrito por Raoni Pereira