domingo, 29 de março de 2009

Cibercultura - Cap 1 (Monografia de graduação de Raoni Pereira)

1 UMA REVOLUÇÃO

“Mutação: é a chave da nossa evolução. Nos permitiu evoluir de uma célula única à espécie dominante no planeta. Este processo lento, normalmente leva milhares e milhares de anos. Mas a cada centena de milênios, a evolução dá um salto.”
(Do filme “X-Men” , 2000)

Existem vários pensadores que acreditam que estes saltos evolutivos realmente ocorram, como Gould apud Castells (2003 p. 67): “A história da vida, como a vejo, é uma série de situações estáveis, pontuadas em intervalos raros por eventos importantes que ocorrem com grande rapidez e ajudam a estabelecer a próxima era estável”. Isto parece ocorrer na história da humanidade também, e muitos acreditam que estejamos vivendo em um desses momentos, com a transformação da cultura e dos meios de produção através de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação.
Esta revolução, chamada de muitos nomes como revolução informacional, revolução tecnológica, cibercultura e outros, é considerada como tal por se tratar de um salto tecnológico enorme, uma mudança radical e sem retorno. A revolução tecnológica pode ser vista como uma terceira revolução industrial, dando uma certa continuidade às duas anteriores, mas distinguindo-se bastante delas. Se anteriormente o foco era a criação e a expansão de novas formas de energia – o vapor na primeira, o motor a combustão e a eletricidade na segunda – agora a mudança do paradigma tecnológico está focada na expansão da tecnologia da informação, das telecomunicações e na formação de redes. Segundo Negroponte (1997), estamos mudando o nosso foco de átomos para bits.
Castells (2003 p. 108-111) localiza algumas características deste novo paradigma: A informação como matéria-prima (ao invés de informação agindo sobre tecnologia, a tecnologia para agir sobre a informação); A penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias (como a informação permeia toda a atividade humana, o novo meio tecnológico altera todos os processos da existência individual e coletiva); A lógica das redes (em todos os sistemas ou conjunto de relações, utilizando as novas tecnologias da informação); A flexibilidade e a convergência e interdependência tecnológica crescentes. Ele acredita que:


O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimentos e informação, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso. (...) As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. Usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa. (CASTELLS, 2003 p. 69)


Este é um dos principais diferenciais desta revolução. Pela primeira vez na história, a distância entre os disseminadores e os receptores da informação se tornou mínima e confusa. Hoje qualquer um pode ser um produtor em um meio de comunicação de massa, a mente humana passou a ser uma força direta de produção, não apenas um elemento importante no processo produtivo. Conforme Castells (2003), nos tornamos uma sociedade informacional, uma forma específica de organização social em que a geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder. E isto só foi possível por causa da criação destas novas formas de comunicação geradas pela informática e pela rede mundial de computadores.
Estamos diante de uma nova e consolidada forma de comunicação. E, segundo Castro (1972 p. 324), cada nova forma de comunicação que foi surgindo ao longo da história representa um aumento da capacidade de expressão do homem, possibilitando sua expansão, através do aumento do espaço pessoal – antes um pedaço de terra onde passava o tempo de sua vida, depois uma cidade, um país, o mundo, o espaço. Expansão esta que acabava por exigir novas formas de comunicação (para se comunicar com as novas formas que surgem dessa expansão, outras pessoas, línguas, etc) em um processo de retroalimentação. Portanto, a expansão da comunicação é a expansão do universo do homem, e da humanidade.
É interessante notar que o ciberespaço surge como um desejo coletivo de forma de uso de inovações técnicas, respondendo a necessidades e desejos das pessoas, não à imposição de uma indústria. Nunca ninguém fez propaganda da Internet, nem obrigou ao seu uso. Aparentemente, a revolução aconteceu por um desejo ligado a uma possibilidade técnica, não a uma necessidade ou imposição (embora, hoje, com a gradual consolidação desta revolução, mais e mais pessoas sejam obrigadas a aprender o básico, por exemplo, a operar um computador para trabalhar).
Como é uma revolução global, que acontece em todos os lugares do mundo ao mesmo tempo, dependendo apenas de algumas disponibilidades técnicas (acesso ao ciberespaço), não há muita diferença entre os países que dela participam. Por depender de um equipamento de custo médio (computador) e uma rede que permita acesso à Internet, lugares pobres de todo o globo encontram-se parcialmente de fora da revolução, no que usualmente se chama de “exclusão digital”, mas estudos como os de Nicolaci-da-Costa (2005) mostram que aparentemente a realidade brasileira segue padrões muito semelhantes ao resto do mundo que acessa o ciberespaço. Temos “incluídos” e “excluídos” em diversos níveis, assim como a grande maioria do planeta.
Talvez uma das maiores dificuldades de analisarmos as implicações sociais e culturais do avanço da informática e multimídia seja a ausência de estabilidade, não há como comparar os gigantescos computadores da década de 50, com os modelos pessoais ligados a fitas cassete e televisão dos anos 80, com a tecnologia atual. Mesmo tratando-se do mesmo elemento (computadores), a distância entre eles e sua significação os transforma em objetos de análise bastante distintos, isso tudo sem mencionar o desenvolvimento da Rede. A revolução, embora esteja consolidada de alguma forma, ainda está acontecendo. Lévy (1999, p. 25) nos lembra de que cada inovação técnica propicia um leque de novas oportunidades, mas somente algumas delas de desenvolvem, ou seja, as tecnologias não determinam a sociedade e a cultura, mas as condicionam, proporcionam novas possibilidades de desenvolvimento.

Um comentário:

  1. Interessante essa questão da influência mutua da cultura e da tecnologia. Acredito que a cultura e a tecnologia são produtos de uma determinação recíproca. Enquanto a cultura possibilita a criação de tecnologias, as tecnologias determinam a forma que a cultura vai interagir e avançar no desenvolvimento de ambas.

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