quinta-feira, 2 de abril de 2009

O que o não-trabalho pode comprar em tempos de ciência?




Um postulado para a organização material e econômica dos seres humanos é o que diz que a sobrevivência da espécie se dá pelo trabalho e a ostentação de caráter racional o fez, a partir dos povos selvagens, organizar modos de produção (historicamente cada vez mais complexos e competitivos) para que o resultado do trabalho fosse seccionado e possibilitasse a todos uma sobrevivência digna.

A ideação constrói, mas também destrói. Assim como o Dr. Frankenstein, na ficção, criou seu monstro, alguns indivíduos plantaram o nascimento de um sistema peculiar a todos os que o antecederam-no, o capitalismo. Sistema notadamente cego para questões descarriladas dos seus três objetivos principais, a acumulação, a acumulação e a acumulação. Em si há uma diferença nítida à forma de acumulação em relação aos sistemas que o antecederam: não há nada de primitivo nesta acumulação; e o capitalismo tem um forte aliado, a ciência moderna.

O novo sistema promoveu a expropriação camponesa e, de uma maneira criminosa, a contar pelo pré-capitalismo, o mercantilismo, os povos do campo foram saqueados (roubados à força) e mandados às cidades, sem lenço e sem documento, com apenas uma moeda na carteira: a sua força de trabalho. Assim se deu a revolução nos modelos de funções e desenvolveu-se a Divisão Internacional do Trabalho. O homem simples, fraco e pobre, se tornou mais pobre, fraco e simples quando se viu imerso num sem mundo de gente (com o renascimento das cidades, e o movimento simétrico de reorganização social) e tendo que vender a sua força de trabalho para sobreviver: era a única coisa de valor econômico que passou a portar.

Através do aumento da jornada de trabalho (sem aumento de salário) o capitalismo garantia o incremento dos lucros, através da Mais-valia Absoluta; através da evolução tecnológica, com a conseqüente diminuição do custo com matéria prima etc., se tinha a chamada Mais Valia-Relativa. E estas eram (e são) as táticas do sistema para a concretização dos seus três principais objetivos.

A ciência moderna, mero artifício da contemporaneidade para substituir interrogações por exclamações, está cada vez mais a serviço da acumulação (e a exploração da Rede, em minha opinião, ainda está em fase de amadurecimento, principalmente, talvez, pela falta de legislação e mecanismos de fiscalização). Não apenas os meandros da atividade financeira estão mais fluidos e desimpedidos de deltas, sendo que para ganhar milhões de dólares às vezes se precisa apenas de acesso à internet e a condição intacta de qualquer tecla Enter de um vulgo teclado, para ser apertada no momento mais adequado, sem o menor esforço, sem uma gota de suor ser derramada e; cada vez mais instrumentos eletrônicos e não orgânicos substituem um sem fim de seres humanos que atuava em plena função, já que basta um sensor acender uma luz brilhante e gritar ‘pega ladrão’ com sua robótica voz de máquina para o coitado do vigia estar desempregado (se o aparelhozinho toma um tiro, coloca-se outro, sem gastos médicos e/ou gastos prematuros com previdência social).

Ora, eis que me vêm algumas dúvidas:

Será que o Capitalismo, de cego que é, não tem dado tiros pela culatra com um projétil chamado ‘ciência da tecnologia’ que perfura a alma do negócio, já que seu pilar de sustentação é a força de trabalho? Será que tantas novas funções têm e serão criadas para substituir aquelas que padecem? Se sim, será que a especialização é um fator democrático e ao alcance de todos aqueles que perderam seus empregos por terem sido substituídos por máquinas? Se não, como é que o capitalismo vai continuar vendendo suas tralhas a quem não tem mais nada para vender a si, para depois poder comprar? Será que a evolução tecnológica não estabelece uma tautologia irreversível a longo ou médio prazo, que contribui para a consolidação da sociedade do recalque, por impor uma especialização mais rápida e precisa a indivíduos que em maioria não têm como acompanhar esta montanha russa?

Será, por fim, que a ciência está para o capitalismo como Brutus esteve para César?

     (Escrevi isso não em referência às discussões de autores que temos visto em sala de aula e que evidenciam que a evolução da tecnologia força e permite às pessoas à especialização, mas sim, pensando no 4/5 da população do planeta, que não acessa a internet, que não tem computador, que está à margem de qualquer possibilidade de se beneficiar de forma direta [muito pelo contrário, a evolução da tecnologia é que se beneficia deste 4/5 ao lhe mostrar que sua força de trabalho vale cada vez menos] da sociedade da informação e do conhecimento, por que tem que trabalhar cada vez mais, para comprar o que lhe é essencial a sobrevivência. E, principalmente, escrevi isso sem muita pretensão e noção do que queria dizer com tais palavras).

Luis.

3 comentários:

  1. Como sempre bastante conciso em seus textos... Rapz... Nem sei o que dizer... Mas a questão me incomoda tbm!!

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  2. No que diz respeito ao acesso à tecnologia, bem, hoje em dia até desempregado tem celular, televisão nem se fala. Creio que o acesso à rede estará disponível à maior parte da população na(s?) próxima década.

    Mas isso obviamente não resolve o problema da substituição da força humana por tecnológica, que há de gerar muita gente desempregada ainda.

    Eu acredito que o capitalismo atual não se sustente por muito tempo, talvez essa seja a crise que o derrube, ou o recrie.

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  3. à mon avis o capitalismo não é cego, ele é dissimulado. e eu concordo com raoni, acredito que ele não se sustenta por muito tempo. o fato dele ter se estabilizado com tamanha força no globo deve-se principalmente à sua maleabilidade, que o permite adaptar-se aos mais diversos cenários econômicos e sociais.

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