quarta-feira, 8 de abril de 2009

Psicanálise, Identidade e Multiplicidade


Tendo a intenção de manter alguma concordância com o tema da próxima discussão tento tecer este post. Ao ler o texto da Sherry Turkle Wither Psychoanalysis in Computer Culture? (2004) (em português algo como "Para onde vai a Psicanálise na Cultura do Computador?") deparei-me com uma questão conceitual fundamental da psicanálise freudiana: a sua ambivalência que resulta na unidade egóica e a relação sujeito-objeto. Até que ponto a polaridade do ego na teoria freudiana poderia estar relacionada a um imaginário contínuo do si mesmo que cada vez mais, com os novos adventos da comunicação, tem se desmantelado em menores pedaços?
Durante uma das aulas que dava sobre psicanálise aos estudantes de ciência da computação do MIT surgiu uma questão muito interessante ao tratar ela do ato falho dum presidente de parlamento que declarou fechada a sessão quando na verdade tratava-se de seu início, devendo ele a princípio anunciar sua abertura. Uma dentre seus alunos interviu com a seguinte proposição: "No dicionário freudiano," ela começou, "fechado e aberto são muito distantes. Num dicionário Webster's," ela continuou, "eles são tão distantes quanto as listas da letra A e as da letra F. Mas no dicionário do computador - assim como (nós do MIT) consideramos ser a mente humanda - fechado e aberto são designados pelo mesmo símbolo, separados por um sinal de oposição. Fechado é igual a 'menos' aberto. Para substituir fechado por aberto não se precisa da noção de ambivalência ou conflito. Quando a susbtituição é feita, um bit foi abandonado. Um sinal de menos foi perdido. Houve um aumento súbito de poder. Sem problemas." Um ato falho, nessa perspectiva, nada mais é que um erro computacional. Uma explicação que constumava ser dada em termos de fantasma, passa a ser interpretada a partir de uma causalidade mecanicista. A cultura digital e a psicanálise passam a ser vistos entre si, de certa perspectiva, como saberes suspeitos, o que leva a um afastamento das duas perspectivas, quando na verdade poderiam galgar-se uma na outra. A Psicanálise, que tradicionalmente ocupa-se de relações objetais com seres humanos, poderia passar a pensar como estes novos objetos inumanos que exponencialmente se têm produzido se relacionam com a subjetividade humana. Não poderia deixar de se ocupar de relações objetais, senão deixaria de ser Psicanálise, mas ao mesmo tempo deveria ter a clareza de se assumir como uma teoria da modernidade, galgada na relação sujeito-objeto, implicando em todas as mazelas e benesses de seu Zeitgeist.
Enquanto na Viena do final do século XIX encontrávamos uma cultura que se considerava no ponto mais avançado de desenvolvimento da história da humanidade e o contato com outras culturas não se daria que não na forma de colonização, hoje encontramos um mundo que a informação e também a subjetividade circulam de forma cada vez mais caótica de uma lugar a outro propiciando uma possibilidade maior de descoberta tanto da continuidade quanto, principalmente, da descontinuidade. Enquanto na época de Freud pensava-se teoricamente a partir de invariantes estruturais, tendo a ambição de certo universalismo, hoje considera-se cada vez mais as variantes nômades, não-universais, particulares. De um Zeitgeist de teorias colonizadoras e da repetição passamos a um outro que tende a privilegiar mais a descolonização e a diferença, não que a colonização tenha acabado ou vá acabar, mas até ela mesma deverá levar em conta tais mudanças. O ideal de sujeito freudiano, dicotômico, mas unificado, dentro duma cultura européia idealista, fechada e regionalizada desmantela-se com o advindo do sujeito-rizoma, múltiplo e nômade, um sujeito do não-lugar.
É interessante a posição do empirismo radical de David Hume que prega que a idéia de causalidade não existe factualmente, apenas por hábito, como representação de certo futuro esperado. A experiência sensorial apenas fornece o e depois, não dá a origem do porquê, afinal ela existe apenas enquanto duração. O pensamento complexo leva a uma gama absolutamente diversa de possibilidades, tão diversa que esvazia quase que totalmente a idéia do sujeito enquanto um corpo, dissociando aquilo que segundo o mesmo Hume é identificado pela imaginação como uma confusão entre o eu e o que ele possui ou, como dizemos, o ser e o ter. Segundo ele, é simplesmente a imaginação, hábil em mascarar a descontinuidade de todas as coisas, que facilmente desliza de um estado psíquico a outro e constrói o mito da personalidade, coleção de haveres heteróclitos que é dada como um ser.
A noção que Michel Foucault apresenta do que é um autor nos leva a pensar nele como o receptor de uma multiplicidade de conteúdos contínuos e descontínuos que os reagrupa de maneira complexa, produzindo outros conteúdos a partir daqueles que lhes foram disponíveis. Seríamos produzidos pelas ordens de tudo aquilo que está fora de nós e através delas produzimos.
Afim de atrelar de maneira mais concreta tais concepões múltiplas do ser a um exemplo claro do que a cultura digital permite em termos de multiplicação das possibilidades de acesso a conteúdo apresento um vídeo-clipe do artista Thru You (que me foi apresentado pelo nosso colega Ítalo Mazoni). Nele podemos compreender um pouco do potencial subjetivo aberto pelas cada vez mais potentes redes de comunicação ao percebermos um clipe feito com pedaços de outros clipes do You Tube, muitos deles de pessoas anônimas como eu e, talvez, você. Como o vídeo evidencia de maneira brilhante, uma música, portanto, são muitas músicaso.

PLURALISMO=MONISMO

Por: Victor Martins (victormnmartins@gmail.com)

3 comentários:

  1. Creio que Lacan já tinha preocupações com a questão da fragmentação do ego...

    No mais, bom post

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  2. Ps: Muito legal os vídeos remixados do youtube, bem como o design do site

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  3. sim, Lacan foi o primeiro, mas ainda assim eram relações objetais. Na verdade Freud por não tratar de esquizofrênicos, e sim de neuróticos, não chegou a essas questões. A chave para a compreensão da fragmentação do ego é a psicose.

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